Aurê Aguiar • 20/10/2023
“Visualizar histórias é o céu e o inferno de quem escreve. O terror de uma guerra nunca está longe o suficiente que não possa ser sentido intimamente.”
Desde o último dia 7, um sábado, eu choro. Dia sim, dia também, um pouquinho que seja, todos os dias aceito uma lágrima teimosa ou me permito cair em prantos. Esta semana, chorei como há tempos não fazia. Abriguei-me nos livros.
Li um pouco de poesia, que cura corações partidos, e outro tanto de história. Vivemos tempos distópicos, inacreditavelmente rudes.
Como entender avanços científicos e tecnológicos aliados a práticas que produzem mortes? Por que em tempos de inteligência artificial, humanos relativizam a barbárie em que “loucos conduzem cegos”, como nas palavras do escritor uruguaio Eduardo Galeano?
Visualizar histórias é o céu e o inferno de quem escreve. O terror de uma guerra nunca está longe o suficiente que não possa ser sentido intimamente. Escrever é ver. Ver-se, ver o outro, olhar demais e sentir de perto dores e alegrias. Afetar-se.
Pessoas não são números, são histórias. Alguém se viu no espelho pela última vez antes de sair para uma festa. Encontros foram marcados para aquele dia. Amigos brindavam a vida. Dias depois, uma mãe recolheu às pressas seus filhos pequenos, em pânico. Sem rumo. Caminhou às cegas, fugiu da morte no cercamento para encontrá-la em campo aberto. Outros dias se passaram e escolas e hospitais não são mais lugares seguros.
A guerra avança e a vida segue. Mas qual vida que segue? A de alheamento à brutalidade? O que fazer para não sofrer com a dor do mundo? Desamar? Desalmar-se?
Não há lógica no terror, mas há um traço: a escalada do medo.
Tudo que intenta aterrorizar usa o medo como arma. Assim como distopia está para utopia, o medo está para o amor. Um paralisa e o outro move.
Falar de amor em tempos coléricos parece ingênuo, e talvez seja mesmo, mas o amor é a única transcendência possível para conter o avanço da desumanidade em um mundo habitado por humanos.
Chorar por mães feitas reféns, crianças e idosos mortos por guerras, fome e abandono pode ser parte de um sentimento que paralisa ou a semente daquele que move. O que nos afeta é uma pista das nossas sombras, mas também nos ilumina.
De novo, recorro a Galeano, que registrou no livro “Palavras Andantes” esta fala do cineasta argentino Fernando Birri: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
https://www.agazeta.com.br/colunas/aure-aguiar/guerras-para-que-nao-ha-logica-no-terror-1023