Aurê Aguiar

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A verdade bate um bolão

02/08/2023

A verdade anda nua. Uma pessoa confiável deveria ser facilmente reconhecida, pois não está sob grandes disfarces sociais. Mas na era da pós-verdade, um selo Blueprint da vida vem vazio de certezas. A realidade moldada por intenções e interesses transforma boato em fato, manipula crenças e emoções para fabricar respostas simplórias às questões mais complexas. Perfis anabolizados ganham aval público, ainda que fatos apontem as inconsistências. E a referência aqui não é apenas ao universo virtual.

A angústia causada por um mundo que está em transição do eixo vertical, hierárquico, para o eixo horizontal, colaborativo, eleva a capacidade de gerar confiança à habilidade fundamental na evolução humana. Somos a única espécie que usa a linguagem verbal para se expressar. Nossa palavra é valiosa, ainda que imprecisa.

Confiança é um dos principais ativos intangíveis de países, empresas e pessoas. A luta pela sobrevivência fez com que os humanos expandissem a caixa toráxica e a coluna vertebral para respirar de forma mais elaborada. Crescemos com isso. A fala nos diferenciou dos outros primatas, que usam os sons que emitem para informar aos outros, da própria espécie, sobre comida e perigos, por exemplo. Primatas também emitem sons para confundir e enganar seus concorrentes à alimentação e ao sexo. Definitivamente, as verdades não moram apenas no que ouvimos.

Dividir, através das palavras, informações relevantes e confiáveis tem mais poder em um mundo colaborativo que reter informação para si ou disseminar notícias falsas. Mudanças rápidas exigem prontidão para responder assertivamente desafios. Não há tempo a perder com informações nebulosas. A palavra desprovida de lastro na verdade está relacionada ao atraso, ao desgaste e ao retrabalho. As incertezas sobre o futuro são crescentes e desafiadoras, tudo o que não precisamos são mapas falsos. Desonrar a própria palavra, além de retroceder milhares de anos na evolução da nossa espécie, é uma prática que faz adoecer. Bancar o que se diz, com a atitude, faz parte de trazer para si a responsabilidade de líder. Nesse aspecto, um dos maiores modelos de liderança comprometida com a própria palavra é Marta, atacante da seleção feminina de futebol. 

Há apenas quarenta anos, o futebol feminino foi efetivamente retirado da ilegalidade, onde ficou por outras 4 décadas ao ser considerado um esporte que afetava seriamente o “equilíbrio psicológico das funções orgânicas da mulher, devido à natureza que a dispôs a ser mãe”, segundo o solicitante da proibição. Marta, a maior goleadora da história das copas (feminina e masculina, que fique claro), encerra sua trajetória vitoriosa nesta Copa de 2023, sediada na Austrália e na Nova Zelândia, com seu exemplo de como cumprir com a palavra engrandece um legado. Marta é craque também na consistência do discurso, sua fala está espelhada na sua prática. Será sempre lembrada pela firmeza na luta contra a desigualdade de gêneros que impera no futebol. Referência se constrói com verdade na atitude.

A despeito de sacrifícios e perdas, a jogadora recusou, em todas as últimas Copas, patrocínios de marcas esportivas com propostas extremamente díspares entre homens e mulheres e criou uma marca própria para liderar um mundo com mais equidade e respeito no esporte. Marta saiu de campo, mas permanecerá eternamente na história de luta do futebol feminino. Como ela disse: é só o começo. Outras copas virão, o protagonismo feminino no futebol tem em quem se inspirar. Go equal, meninas!

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