Aurê Aguiar

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A alegria é uma chave de ouro

Aurê Aguiar • 06/10/2023

“Fui arrebatada pelo entusiasmo da designer uruguaia Gabriela Hearst no seu desfile de despedida como diretora criativa da marca internacional Chloé, na semana de moda de Paris.”

Ah, a alegria, essa subversiva. A alegria é a linguagem que a alma escolheu para revelar seus segredos. Um corpo que dança é divino.

Fui arrebatada pelo entusiasmo da designer uruguaia Gabriela Hearst no seu desfile de despedida como diretora criativa da marca internacional Chloé, na semana de moda de Paris.

Gabriela sambou, literalmente, na cara de uma sociedade que olha com estranhamento finais felizes, separações amigáveis e contratos encerrados por meio de bons acordos. O fechamento de um ciclo pode ser o tão sonhado final feliz.

Gabriela colocou um ponto final na relação de 3 anos com a marca Chloé, acompanhada pela bateria da Estação Primeira da Mangueira. O Brasil da alegria entrou na moda em Paris. Foi lindo.

A presença do carnaval carioca no desfile foi uma homenagem à mãe da designer, que desfilava pela Mangueira, e estava à altura de honrar uma trajetória de sucesso que fez da Chloé a primeira marca de luxo a se tornar uma B-corp, classificação que recebem as empresas que têm impacto ambiental e social positivo.

Grandes feitos e grandes encontros merecem finais apoteóticos. Gabriela fez um bom acabamento para o seu legado.

Encerrar ciclos está longe de ser fácil, mas gentileza e alegria ajudam a suavizar esses momentos, sem desonrar histórias que jamais deixarão de ser lindas, nem no início e nem no meio, por que deveriam deixar de ser no final?

Um casamento de 10 anos ou 10 meses não fracassou, acabou, apenas. Toda boa história merece ser preservada. Sem dano ou trauma no durante, o final pode ser leve. Nenhum final deveria destruir um bom acontecimento.

A vida tem padrões misteriosos. Alguns fios são cortados abruptamente, mas exceto em situações insustentáveis isso não precisa ser repetido e confirmado automaticamente. Padrões também mudam quando confrontados por uma consciência mais desperta. É possível tecer um final conectando novos pontos, buscando novos acordos.

Algumas pessoas, diante do fim, se apegam às sombras, como um dia de chuva que se recusa a ceder espaço ao sol. Choram pela perda, pela saudade, pelo vazio. Dão pra maldizer o próprio lar e se vingar a qualquer preço.

Essa adoração pelo avesso, como na música de Francis Hime e Chico Buarque, é caso urgente de terapia. Mas também há aqueles, como Gabriela, que entendem que o fim é apenas uma pausa, um respiro. Eles não choram o fim, mas cantam e dançam pela jornada.

Enquanto assistia à bateria da Mangueira ecoar por Paris, me peguei pensando: talvez o mundo precisasse de mais despedidas assim. Não com o peso de um fim, mas com o respeito pela história vivida e a leveza e a esperança dos recomeços.

O encerramento do desfile foi inesperado e deslumbrante. Uma ideia genial que atraiu críticas e aplausos, como tudo que é grandioso. Mas, principalmente, foi o arremate perfeito, um final sem avesso ou direito. Típico de quem faz da vida uma peça de alta costura, sem sobras, com a alma bem ajustada ao corpo. Somos feitos sob medida para semear alegrias.

https://www.agazeta.com.br/colunas/aure-aguiar/a-alegria-e-uma-chave-de-ouro-1023

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